PUBLICIDADE DIGITAL

Uma Criatura

Sei de uma criatura antiga e formidável, Que a si mesma devora os membros e as entranhas, Com a sofreguidão da fome insaciável. Habita juntamente os vales e as montanhas; E no mar, que se rasga, à maneira do abismo, Espreguiça-se toda em convulsões estranhas. Traz impresso na fronte o obscuro despotismo; Cada olhar que despede, acerbo e mavioso, Parece uma expansão de amor e egoísmo. Friamente contempla o desespero e o gozo, Gosta do colibri, como gosta do verme, E cinge ao coração o belo e o monstruoso. Para ela o chacal é, como a rola, inerme; E caminha na terra imperturbável, como Pelo vasto arealum vasto paquiderme. Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo Vem a folha, que lento e lento se desdobra, Depois a flor, depois o suspirado pomo. Pois essa criatura está em toda a obra: Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto, E é nesse destruir que as suas forças dobra. Ama de igual amor o poluto e o impoluto; Começa e recomeça uma perpétua lida; E sorrindo obedece ao divino estatuto. Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida.

Machado de Assis

Poesias mais vistas no Blog

Poesias mais vistas nos últimos 30 dias